Pablo Neruda foi morto por regime militar chileno, defende jornalista
SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES
DE BUENOS AIRES
"Pablo não morreu de câncer. O médico que o atendia havia dito que
viveria por pelo menos cinco ou seis anos. Não resta dúvida de que
morreu como consequência do golpe de Estado."
As palavras de Matilde Urrutia, viúva de Pablo Neruda, soaram logo após a
morte do poeta chileno, em 1973, e até a sua própria, em 1985.
Apesar da grave denúncia, pouco foi feito até hoje para investigar esse
que, se confirmado, seria o mais famoso caso de "desaparição" de
opositores ao regime militar chileno (1973-1990).
O autor de "Canto Geral", prêmio Nobel de Literatura de 1971, era amigo
do presidente morto, Salvador Allende, com quem compartilhava seu
ideário esquerdista.
A Fundação Pablo Neruda, de Santiago, diz oficialmente que não há
evidências para supor que Neruda foi assassinado pela ditadura.
Concordou, porém, com a decisão do juiz Mario Carroza, de exumar em
março os restos do poeta, que se encontram em sua residência de Isla
Negra, hoje um museu em sua homenagem.
"Será um grande avanço nas investigações. Os depoimentos que temos sobre
seus últimos dias coincidem só até certo ponto, depois há muitas
contradições. A exumação pode dar a resposta final para o mistério", diz
o jornalista e historiador espanhol Mario Amorós à Folha.
SOMBRAS
Amorós é autor de "Sombras Sobre Isla Negra" (ed. Zeta),
livro-reportagem em que são ouvidos os sobreviventes do episódio,
confrontados com documentação sobre as viagens e a internação de Neruda.
Recém-lançada, a obra de Amorós está sendo usada na causa aberta na Justiça.
Neruda tinha um câncer de próstata. No dia 19 de setembro, apenas oito
dias depois do ataque ao Palácio de la Moneda, passou mal. Sua viúva
depois diria que o golpe e a morte violenta do cantor Victor Jara,
vítima do regime, o abalaram muito e fizeram sua saúde deteriorar-se.
Foi, então, levado à Clínica Santa María, de Santiago. As pessoas que o
viram aí declararam a Amorós que Neruda não parecia um doente terminal.
No dia 22, porque estava muito nervoso, aplicaram-lhe um calmante. Nunca
mais acordou.
"São muitas as evidências de que pode ter sido um assassinato. Neruda
estava com uma viagem marcada para o México daí a alguns dias, onde
falaria num evento político e tinha preparado um discurso sobre a grave
situação do Chile", diz Amorós.
Quando Matilde voltou à La Chascona, a residência santiagueña do casal,
ainda hoje mantida como era e aberta à visitação pública, encontrou o
lugar revirado e saqueado. A polícia prontamente identificou o episódio
com a ação de ladrões.
Com a imprensa pressionada pelo governo, as denúncias de Matilde tiveram pouco eco na época.
Há alguns anos, porém, o caso começou a voltar à tona. Sobre a clínica,
passaram a haver suspeitas de assassinatos, como o do ex-presidente
chileno Eduardo Frei Montalva (1964-1970), internado ali por um simples
procedimento e morto misteriosamente nos anos 1980.
João Wainer/Folhapress | ||
Desenho que alude ao poeta Pablo Neruda (1904-1973) nas imediações do bairro Bellavista, em Santiago (Chile) |
CHOFER
Em maio de 2011, o chofer do casal Neruda, Manuel Araya, deu uma
entrevista à revista mexicana "Proceso" em que relatava o bom estado de
Neruda e a existência de chamadas com ameaças à sua casa, em Isla Negra.
Araya, então um jovem de 27 anos, hoje defende a versão do assassinato e é uma das principais fontes de Amorós.
A investigação da morte de Neruda promete ocupar bom espaço durante o aniversário de 40 anos do golpe militar.
O resultado da exumação deve sair na mesma época. Também recentemente,
alguns casos famosos tiveram importantes avanços, como o julgamento dos
responsáveis pela morte de Victor Jara.
"O Chile demorou muito para tratar o tema de modo transparente e
distanciado, afinal, a ditadura foi um trauma grande, que levou muitos
anos e deixou várias marcas. Agora é a hora de as verdades aparecerem",
diz Amorós
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