Zuenir Ventura demonstra, no Globo,
que, ao contrário do que pensa Ali Kamel, a realidade é diferente.
Provas disso são os exemplos recentes de discriminação num clube do Rio e
numa concessionária BMW.
Anos atrás, Ali Kamel, diretor de jornalismo da
Globo, publicou um livro chamado "Não somos racistas", que tinha como
objetivo impedir o avanço da política de cotas. Kamel perdeu esse
combate e, agora, no próprio Globo, o jornalista Zuenir Ventura
demonstra que o Brasil ainda é um país racista. Leia abaixo:
O GLOBO - 26/01
Episódios como o das babás discriminadas em clubes sociais
e o da criança negra que foi destratada e quase expulsa de uma
concessionária da BMW no Rio demonstram que o racismo, apesar de
resolvido legalmente, já que é crime, ainda constitui um problema no dia
a dia das relações interpessoais, onde às vezes se manifesta
explicitamente. O sociólogo Florestan Fernandes dizia que o brasileiro
tem preconceito de ter preconceito. Em outras palavras, o Brasil seria
um país com racismo, mas sem racistas, como revela uma pesquisa em que
87% das pessoas entrevistadas afirmaram haver racismo, mas só 4% se
confessaram racistas. Muitos alegam que se trata de "racismo cordial"
bem diferente do que existe nos EUA, por exemplo. Seria mesmo cordial
ou, ao contrário, é velado, camuflado, que quando flagrado se disfarça,
alegando engano ou má interpretação?
Na tal loja da Barra, o gerente de vendas viu o menino de 7
anos assistindo a televisão enquanto os pais adotivos, brancos,
escolhiam um carro. Sem saber que pertenciam à mesma família, não teve
dúvida. Na certa era um moleque de rua que ia pedir dinheiro, incomodar
os clientes. "Aqui não é o lugar para você, saia" ordenou. Na nota em
que tenta se justificar, a empresa diz que não foi bem assim, que houve
por parte do casal "um mal-entendido" Porém, a mãe Priscilla garante que
não, que foi um bem entendido gesto de racismo: "Se fosse uma criança
branca, ele mandaria sair da loja?"
No facebook, para onde o casal levou seu protesto e lançou
a campanha "preconceito racial não é mal-entendido" a reação foi
imediata. Cerca de 16 mil internautas se manifestaram com mensagens de
apoio. Tomara que a proporção seja essa: que para uma loja que pratica o
racismo haja milhares de pessoas contra. Porém, pior ainda do que essas
atitudes explícitas, que pelo menos despertam repulsa, é a situação
social, econômica e cultural da população não branca no país. Tratadas
com naturalidade, as desigualdades raciais no campo da saúde, da
educação e do mercado de trabalho são tão iníquas que em alguns casos
parecem saídas da novela "Lado a lado" um retrato fiel e competente da
luta contra a intolerância racial e religiosa após a abolição da
escravatura e no começo da República. Apenas um exemplo: o risco de
morte por doenças infecciosas é hoje 43% maior entre as crianças negras
com menos de um ano de idade do que entre as brancas. Isso eqüivale a
expulsar da cidadania, senão da vida, toda uma geração de negros.
Muitos alegam que se trata de "racismo cordial". Seria
mesmo cordial ou, ao contrário, é velado, camuflado, que quando flagrado
se disfarça, alegando engano ou má interpretação?
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